Meu Papai Noel

(Entrevista feita comigo para a matéria publicada no Jornal O Vale, caderno "Viver")


- Qual o momento certo de contar ao filho que Papai Noel, Coelhinho da Páscoa, etc, não existem?

   Não há exatamente um momento certo. O mais adequado seria que esse tipo de fantasia persistisse durante a infância, ou seja, não ultrapassando os 10 anos de idade e cessasse com a entrada desse sujeito na adolescência, que acontece a partir dos 11 anos e proporciona outros tipos de fantasias, como a idealização e identificação com ídolos, por exemplo.

- De que forma a fantasia pode ajudar ou prejudicar?

  Fantasiar é muito importante para a vida psíquica das crianças, pois estimula o desenvolvimento do intelecto, da imaginação e da criatividade, e trabalha aspectos emocionais. Durante o processo de fantasiar, a criança entra em contato com seus sentimentos, os expressa, e, muitas vezes, elabora angústias que ela ainda não sabe expressar verbalmente. Mas, é importante que o fantasiar seja acompanhado também de dados de realidade, para que a criança aprenda a diferenciar o fantasioso do real, e vá adquirindo meios para lidar com tudo o que envolve a realidade: alegria, tristeza, frustração, vitórias. Se a criança fica presa somente a aspectos da fantasia, ela pode vir a ter dificuldades para lidar com a vida real, o que acarretará em dificuldades em suas relações sociais, por exemplo.

- Se a crian
ça soubesse que são os pais que compram os presentes, não valorizaria mais as figuras paterna e materna?

  Isso dependeria muito da família e da cultura na qual essa criança foi criada. Essa valorização já deverá acontecer a partir do momento em que ela descobre que são os pais que compram os presentes no Natal. Vivenciar a crença de que o Papai Noel existe é importante para as crianças, pois ele é uma das figuras mais bonitas da infância, e representa muito mais do que alguém que traz presentes no Natal: além de simbolizar o valor da família e estimular, desde muito cedo, o respeito pelo idoso, o Papai Noel traz consigo esperança: mesmo que, durante a infância, ela seja representada pela esperança em ter um desejo atendido.
  
- Por outro lado, n
ão acreditar no bom velhinho pode prejudicar a criança? Ela pode se tornar um adulto pouco sonhador?

    É importante que a criança fantasie. Mesmo que não seja com Papai Noel, ela precisa ter outros meios de fantasiar. Não fantasiar pode, sim, ser prejudicial, na medida em que o desenvolvimento do intelecto e da criatividade e a elaboração de angústias pelo brincar e fantasiar serão menos estimulados.

- Na hora de esclarecer que cautelas devem ser tomadas? Como isso pode ser feito de modo a não trazer prejuízos?

  Geralmente, esse esclarecimento não é feito de forma súbita. A criança começa a desconfiar que Papai Noel não existe, até que se dá conta de que quem compra os presentes são os pais. É importante respeitar o tempo de cada criança, e não revelar a verdade de forma dura, para que não haja uma ruptura abrupta com a fantasia. O ideal é que se espere até que ela comece a fazer perguntas sobre Papai Noel, e que os pais, então, dêem dicas sobre a verdade, mas sem a necessidade de revelá-la por completo em um único momento. Caberá a criança, então, reunir as evidências e perceber, aos poucos, a realidade.

- Existe algum risco de a criança carregar traumas? Deixar de confiar nas pessoas, por exemplo?

  De forma geral, não há esse risco, porque a crença no Papai Noel é uma das recordações mais bonitas e saudáveis da infância. Ela é uma fantasia universal, direcionada a todas as crianças e é diferente de uma mentira contada para um único sujeito – o que poderia fazer com que ele se sentisse enganado e traído, e deixasse de confiar nas pessoas. Por outro lado, uma criança mais presa ao mundo fantasioso, que tenha dificuldade em lidar com a realidade e com as conseqüências que esta traz, pode, sim, se sentir enganada e desenvolver algum trauma. Se os pais perceberem que a descoberta da verdade em relação ao Papai Noel foi dolorosa, é importante que eles conversem bastante com os filhos, explicando os motivos sobre essa fantasia e deixando claro que é algo saudável, mágico e que trará boas recordações.