Animais de Estimação: Companheiros para o Desenvolvimento Afetivo e da Auto Percepção

( Artigo escrito por Roberto Guimarães - Especialista em Sociologia, Diretor do Grupo Projetar - Evolução Pessoal e Escritor)



Introdução

O homem tem, desde os primórdios, encontrado uma série de obstáculos em suas tentativas de viver bem em sociedade. Com o desenvolvimento tecnológico e a aceleração da vida, características de nossa modernidade “líquida”, o ser humano vem continuamente se afastando do convívio com seus semelhantes. E com a distância, verifica-se também a perda da experiência em grupo, seja no campo físico, no emocional ou no intelectual. Para substituir o vazio deixado pela ausência dos outros, a sociedade tem aumentado os níveis e frequências de consumo, aumentado o seu tempo de vivência “virtual”, e preenchido com quantidade e superficialidade o que antes era lugar da qualidade e da profundidade. Essas características, dentre outros fatores, têm tornado a humanidade mais mecanizada, mais fria e, portanto, menos capaz de reconhecer e demonstrar afeto. Uma boa convivência com animais de estimação, porém, pode ajudar a reverter esse fato.

O afastamento de si e dos outros

A esfera emocional tem sido negligenciada por uma humanidade tecnicista, na qual tem validade somente aquilo que pode ser tornado científico, passível de formulação e universalização. Os sentimentos e emoções são, com frequência, vistos como problemas, empecilhos na solução racional das questões apresentadas pelo cotidiano. O conhecimento teórico é priorizado em relação àquilo que se deve saber sobre algo, mesmo que constitua apenas uma ínfima fração do que se pode conhecer e perceber desse mesmo algo. A experimentação é sobrepujada pelo conhecimento adquirido intelectualmente, resultando em grandes inconsistências entre a percepção, a consciência e a comunicação da experiência. 

Essa mentalidade tem sua justificativa: entrar em contato com o indefinível, o desconhecido, é um tormento para muitos que temem aquilo o que não podem controlar, e poucas coisas há ainda tão desconhecidas como o ser humano no que se refere aos seus sentimentos e motivações. Com isso, reduz-se o mundo à sua casca, às aparências das coisas e não à sua totalidade. Os indivíduos passam a ser, portanto, cada vez mais medidos por sua beleza, suas posses, seus títulos e honrarias, mas raramente por sua sensibilidade. 

Para piorar as questões levantadas acima, nossa sociedade se baseia na competição para elevar ou rebaixar, para aceitar ou descartar. Isso resulta na percepção de que aquele com quem se compete é o risco para a própria sobrevivência e desenvolvimento. Assim, mais afastamento se faz necessário, quando não o “atropelamento” do outro e a limitação intencional de seus recursos e possibilidades. Atualmente, viver nessa sociedade de infinitos objetivos individuais e pouco tempo e espaço para convivência pública é arriscar-se no meio de inimigos. Nessa arena, como sentir e se emocionar livremente, espontaneamente? Como confiar que as “fraquezas” e instabilidades emocionais poderão ser vivenciadas organicamente e partilhadas seguramente?

Com isso, a frieza tomou conta e tem reforçado essa ideia do ser segmentado em partes distintas e irreconciliáveis: razão versus emoção, com vitória esmagadora da primeira. A segunda, porém, é tão parte do ser quanto a razão. E ambas são igualmente importantes para a realização humana, assim como o grau de congruência entre elas. Por mais que se tente negar à consciência os efeitos da experiência emocional, não é possível suprimi-los. As consequências dessa conduta – expressas por meio de racionalizações, sublimações, transferências, etc. – podem ser comprovadas nas fragilidades das relações, nas dificuldades em relação às tomadas de decisões e na determinação de propósitos para a vida, enfim, em todos os campos da existência. 

Quando as ações visam atender somente uma estratégia racional, os objetivos passam a se acumular sem possibilidades de realização completa. E aumentada a necessidade individual das máscaras usadas em sociedade, que se moldam para melhorar as chances de reconhecimento e reduzir as possibilidades da reprovação do meio, mais afastamento do eu real se verifica – e consequentemente de suas percepções e significações orgânicas.

Como reverter esse quadro e promover aproximação? Como aumentar a experimentação e torna-la plenamente consciente?

A participação dos animais de estimação no desenvolvimento afetivo

A principal forma de comunicação da espécie humana é a fala. Através dela expomos ideias, desejos, aversões e etc. A comunicação verbal pode oferecer, porém, algumas desvantagens e criar determinados obstáculos. Pode-se, por exemplo, mascarar os sentimentos através de um discurso convincente, que muitas vezes reflete o oposto daquilo que se percebe ou daquilo que se deseja verdadeiramente comunicar. Ou seja, é mais fácil fingir ser, através de uma oratória persuasiva, quem se quiser ser, caso a maior evidência de verdade seja a palavra falada. E, conforme mencionado, ao possibilitar o disfarce dos sentimentos, perde-se gradativamente a capacidade de identificá-los, nomeá-los e comunicá-los adequadamente. Assim, a incongruência entre o campo emocional e o racional aumenta e torna cada vez mais difícil a gratificação dos desejos.

Mas o maior obstáculo que a comunicação verbal oferece é a possibilidade, pelo outro, de apreciação e julgamento daquilo que se afirma. Quanto maiores as possibilidades reais de reprovação do que se está prestes a dizer, como um reflexo daquilo que se percebe ou se acredita perceber, mais aumentam as chances de alteração do conteúdo a ser expresso. Não falo somente de mentiras conscientes, mas também de distorções inconscientes das percepções para adequação à moral do ambiente. Por exemplo: um indivíduo que foi muito maltratado pelos pais, terá dificuldades de encontrar um meio onde possa expressar sua raiva ou ódio por eles sem sofrer algum tipo de julgamento, normalmente baseado no senso comum. Provavelmente ouvirá, como consequência, apreciações do tipo: “pai e mãe são um só, são sagrados”, “não se pode sentir raiva ou ódio dos pais”, “quem não ama incondicionalmente os pais é um monstro”. E dessa forma, o indivíduo tende a recalcar tais sentimentos em vez de expressá-los e aliviá-los.

Uma forma excelente de contornar o problema é o convívio com animais de estimação (digo “contornar” porque não pretendo dizer que a relação com os animais pode ou deve substituir as relações humanas). Como a linguagem falada não tem, para os animais, a mesma abrangência, não pode ser usada com o mesmo intuito nessa relação homem–animal. Assim, faz-se necessário ao indivíduo o aumento de seu grau de percepção para outras formas de expressão, como a gestual, por exemplo. Os animais de estimação, quando bem tratados, demonstram a seus cuidadores grandes doses diárias de afeto, na maior parte das vezes através do contato físico. Quanto mais o indivíduo é receptivo ao toque, mais será tocado, o que desenvolve sua percepção sensorial. E quanto mais disposto a essa troca com o animal, mais será capaz de perceber em si mesmo o que ela gera no campo emocional. Passa a se conhecer mais conforme o relacionamento se aprofunda. 

Outra questão é o fato de que o animal, se bem tratado, aceita o indivíduo apesar de quaisquer diferenças, deformidades e deficiências físicas e emocionais que o excluam da sociedade ou diminuam sua influência no meio. Ao se sentir aceito, tende a aceitar-se mais, pois se sente incluído. As suas emoções, sejam vistas como boas ou más, podem ser assumidas nessa relação sem o receio de que sua exposição se reverta em prejuízos sociais. Pode então encorajar-se ao enfrentamento daquilo que acredita ser nocivo a si próprio, e fortalece-se. Isso acontece porque as respostas dos animais aos atos do indivíduo não estão carregadas de qualificação moral. O indivíduo é livre para sentir aquilo que é organicamente, pois seu medo de reprovação é reduzido e suas defesas psíquicas ficam mais flexíveis. 

Com o fortalecimento, pode aprender a se expor em sociedade sem deformações de suas emoções. Ao apreciar as trocas com o animal, passa a expandir esse comportamento afetivo para outros relacionamentos. E com a aceitação de si, os outros relacionamentos tenderão a ser melhores, pois aquele que se aceita se dispõe com mais facilidade à aceitação do outro. E conforme o outro enxerga essa congruência entre o que se diz e o que se sente, pode confiar mais na veracidade do relacionamento, o que pode resultar também na redução de suas defesas psíquicas e maior abertura e aprofundamento da relação.

Conclusão

O comportamento do animal em relação a seus cuidadores pode ser visto como o reflexo daquilo que eles propõem no relacionamento, de forma que se torna mais fácil a identificação do que se sente em dado momento. Por exemplo, se o animal está com medo, talvez seja o resultado de uma qualidade psíquica desequilibrada de seu cuidador, como a de raiva ou agressividade. O bom convívio com animais de estimação oferece, portanto, uma excelente oportunidade para o crescimento afetivo e o desenvolvimento das capacidades de socialização. 

Muitos indivíduos, porém, possuem a visão de que os animais são riscos. Em alguns casos vemos animais que são doados ou até mesmo sacrificados quando não se comportam adequadamente, ou quando um bebê passa a habitar o ambiente em que o animal vive, por exemplo. Se em vez de atribuirmos a culpa ao animal pelo que não se qualifica como adequado em seu comportamento tivéssemos coragem de entender que tal comportamento é reflexo de nossa atuação, poderíamos crescer não somente para uma relação homem-animal melhor e mais saudável, mas também para uma convivência social mais equilibrada, mais tolerante e enriquecedora. Aprendamos com eles. Cabe somente a nós, pois eles certamente farão sua parte!